Cinco semanas

July 23, 2019 | tags: conto, -- (permalink)

Cinco semanas de reclusão são um inferno na terra. Nenhum pedaço de gente segue assim levando as coisas como um somente e tres pedaços de terra não saram uma ressaca de abandono. Arar é um ato de disciplina, no fim das contas. É esperar cada pedaço de terra lhe cobrir os pés sem saber de antemão que se vai adoecer ou se é a terra que está doente. Antes ela do que eu. Sobre sol pois sem chuva. Até porque nao da pra esperar. Já é dezembro e nem sinal, mas vai sem sinal mesmo porque a esperança é a ultima que morre. Mas ja dizia o finado Benito; mas morre. Deixa morrer, deixa a morte chegar... que ainda são cinco da manhã e o tempo não ta quente. Sei la daonde essa agua vai vir, mas vamo orar pra São Sebastiao, por que São Pedro ou ta surdo ou se faz de sonso...

Cinco semanas de braço dolorido porque foi levar umas roupa pra dona Mundica do outro lado da estrada e pegou uma carrera de uns cachorro véi magro, desses que so serve pra espantar porco. Se tivesse saido com o facão nao tinha problema porque era so uma lapada. Nem era pra cortar ou maltratar os bichim, era so pra dar uma e espantar. Mas na carreira que levou, no aperreio tomou uma queda em cima duma pedra que so notou o braço inchado quando chegou na Mundica. Não é boa ideia levar um saco cheio de coisa num braço só. Mas daí chegando na viúva, aquele barrigão do tamanho do mundo naquele mar marron. Que que aquelas roupas iriam fazer? Dava pra vender? Dava pra algo? Nada. Só roupa pra parecer. Como é que se dá vida numa situação dessas? Como se tras alguem no mundo assim? E aquelas coxas morenas, meu senhor jesus cristo...? Aquelas coxas.

Cinco semanas só tentando cultivar o morto porque o poço não dava agua nem a pau. Ja tava acabando e so dava pra beber, e olhe la. Ainda bem que a mulher e os filhos se foram. Chamava ele de bruto e bitolado. Teimoso. Que não ia ficar com "home que fica me dando na cara, vai tomar no rabo, seu brocha". E foi. Não precisava. Ia se virar. Era só a enxada e a terra. Preciso mais de nada não. To inteiro. Vou passar fome em capital não. Vou passar aqui mesmo. Minha terra, minha casa. Que o diabo carregue aquela quenga. Tem semente, tem jesus, tem o musculo. Aqui é casa de ferreiro espeto de ouro. Tinha que providenciar uma imagem de São Sebastião.

Cinco semanas querendo um pedaço de carne. Viu um calango correndo dia desses e quis pegar a baladeira e meter uma bem na cabeça. Mas cumpade Juracir disse que o povo do sul faz piada com quem come calango e ficou fulo da vida. Não ia comer calango. Morria de fome, mas não baixava a cabeça. Será que Dona Mundica tinha arroz? Ou farinha? Será que ela dava um tiquinho pra ele? Será que ela dava pra ele?

Cinco semanas até inanição. Queria a mãe, um cuzcuz com café e leite. Carne seca que o pai fazia no fogo no fim de tarde. Sem carneiro, e farinha não tinha. Se tivesse ajuda,quem sabe... Ai que saudades dos meninos. Que Deus os abençôe.